Você sabia que as mudanças climáticas estão gerando processos judiciais em todo o mundo?
Conflitos legais relacionados às mudanças climáticas, conhecidos como litígios climáticos, estão se tornando cada vez mais comuns em diversas partes do planeta. Essa é uma tendência que só irá aumentar nas próximas décadas.
Ondas de calor e chuvas torrenciais: impactos e alertas sobre as mudanças climáticas
Estamos presenciando no Brasil ondas de calor e chuvas torrenciais em várias localidades nas últimas semanas. A destruição advinda principalmente da precipitação acentuada em um curto período de tempo e espaço, está preocupando a população e acendendo novamente o alerta sobre as consequências dos efeitos das mudanças climáticas.
Apesar de a comunidade científica ter validado a relação entre o aumento da temperatura do planeta com as emissões humanas e, os países serem signatários de tratados internacionais sobre o tema, pouco efetivamente aconteceu para que se reduzissem as emissões das empresas, instituições e países.
Enquanto isso, as pessoas que serão as principais atingidas pelos efeitos das mudanças climáticas são as que menos emitem gases de efeito estufa: jovens, pessoas pobres, negros e indígenas.
Litígios climáticos como forma de garantir justiça climática e o direito intergeracional
O ordenamento jurídico mundial vem se adaptando para garantir a justiça climática. Os chamados litígios climáticos, ações judiciais que possuem o objetivo de garantir o direito climático, são uma forma do judiciário mitigar o que vem acontecendo. Nas ações, de um lado estão grandes empresas e países que são responsáveis por emissões alarmantes nos últimos trinta anos e, de outro lado, por exemplo, estão populações de ilhas do Pacífico, pessoas de países subdesenvolvidos, indígenas, população em localidades litorâneas, entre outras, que pouco contribuem com as emissões, mas são as que mais sofrem com o calor extremo, com as chuvas torrenciais e com o aumento do nível dos oceanos.
Além disso, também entra em evidência a justiça intergeracional, a qual consiste na divisão dos ônus e bônus da utilização dos recursos naturais disponíveis na Terra. Dessa forma, os litígios climáticos vão além da garantia de justiça para as pessoas no presente, mas também se preocupam em garantir, para gerações futuras, a mesma disponibilidade de recursos que temos atualmente.
Encontro sobre Litígios Climáticos no Brasil e o alerta do cientista Carlos Nobre
Ocorreu, no início do mês, o “Encontro sobre Litígios Climáticos no Brasil” promovido pela OAB Nacional. No encontro, o cientista Carlos Nobre alertou o quanto os efeitos das mudanças climáticas irão afetar o país. As ondas de calor cada vez mais frequentes e mais longas em localidades litorâneas como o Rio de Janeiro, irão deixar esses locais inabitáveis nos próximos anos, atingindo principalmente grávidas, idosos e crianças. O aumento da temperatura dos oceanos (em torno de 0,8 ºC) ocasionará maiores índices de umidade, aumentando a sensação de calor e diminuindo a capacidade do corpo humano em manter seu equilíbrio termorregulador.
Enquanto isso, as COPs, que vêm ocorrendo e possuem ampla cobertura midiática, têm pouca diversidade entre seus participantes. As pessoas que serão mais afetadas são as que menos têm quórum nesses encontros. Ainda, o atual Acordo de Paris, instituído em 2015, possui como meta reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 50% até 2030 e zerar as emissões em 2050. O tempo está passando e não se vêem ações consistentes de governos e empresas para com essas metas.
No caso do Brasil, o desmatamento ilegal se torna inadimissível enquanto o país é signatário do Acordo de Paris e possui em sua Constituição Federal a garantia de um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Quando os governantes não encaram as mudanças climáticas com a seriedade que devem ter, atacam o direito à existência da população, à justiça geracional e descumprem o Acordo de Paris.
A importância da ciência para a instrumentalização dos litígios climáticos
Os litígios climáticos entram como determinantes para que o Supremo Tribunal Federal, por meio de suas decisões, dite caminhos para ações efetivas de políticas públicas e marcos legais. Com a litigância climática, por exemplo, um licenciamento ambiental pode ser anulado.
A ciência consolidada seria determinante para instrumentalizar o jurista a evidenciar o nexo causal necessário para a responsabilização de instituições, governos e empresas sobre qualquer desastre causado pelos extremos climáticos atualmente. Inclusive, hoje existem ferramentas de demonstração científica que simulam como um evento extremo atual aconteceria preteritamente, mostrando que um evento não teria sido tão violento se não tivessem as variedades climáticas atuais em decorrência do aquecimento global. Um exemplo recente do uso de evidências científicas como instrumento político foi a CPI da Covid, no Senado Federal, onde artigos científicos foram apresentados por senadores de oposição para apoiarem seus argumentos.
Exemplos de litígios climáticos no mundo
Existem muitas ações de litígios climáticos pelo mundo. Um exemplo é o caso do grupo de ambientalistas e mais de 17.000 cidadãos que promoveram litígio climático, na Holanda, contra a Royal Dutch Shell (RDS). Na ação alegam, em síntese, que as contribuições da empresa para as mudanças climáticas, decorrentes de suas emissões, violam preceitos de tratados internacionais e os direitos humanos.
Importante mencionar que o direito climático está dentro do direito ambiental e que está dentro dos direitos humanos. No Brasil, existe maior índice de ações de litígios climáticos contra governos e instituições públicas, seguido de litígios contra empresas e, por último, litígios contra pessoas físicas.
O objetivo dessas ações é de ter a correta responsabilização dos causadores dos desastres climáticos e o pagamento, por parte deles, de indenização às vítimas.
Com a contribuição do ordenamento jurídico e dos litígios climáticos no Brasil, temos a capacidade de atender integralmente ao Acordo de Paris. Se houver a comoção em massa dos governantes e da população, não necessariamente o país vai precisar fazer a mudança rápida para o uso de carros elétricos para atender ao acordo. Temos em nosso território a maior biodiversidade do mundo e a maior cobertura de florestas nativas do mundo. Nosso maior percentual de emissões é o desmatamento (50% das emissões) e a maior parte do desmatamento no Brasil é ilegal. Os outros 20% das emissões correspondem à agricultura e, os últimos 30%, ao uso de combustíveis fósseis.
O Brasil precisa zerar o desmatamento ilegal para atingir a meta do Acordo de Paris de diminuir em 50% as emissões até 2030. Para isso, precisamos cobrar os governantes do país para que incluam mais ativamente em suas ações a pauta das mudanças climáticas e, também, os litígios climáticos entram como instrumento importante para essa efetividade.
À medida que as mudanças climáticas se intensificam e seus impactos se tornam mais visíveis, é possível que mais pessoas e organizações busquem a justiça para proteger o meio ambiente e garantir seus direitos fundamentais à vida e a um futuro sustentável para todos.