Da fragilidade dos modelos tradicionais ao avanço da inteligência artificial, é possível transformar previsões climáticas em decisões estratégicas

Os impactos das mudanças climáticas sobre nossas vidas e atividades econômicas já não são uma possibilidade futura, mas uma realidade cotidiana. Enchentes, secas prolongadas, ondas de calor e tempestades severas se multiplicam em todo o mundo, exigindo respostas urgentes da ciência, das empresas e da sociedade. Entretanto, um desafio central permanece: a imprevisibilidade.

A fragilidade dos modelos tradicionais

A meteorologia sempre foi uma ferramenta essencial de apoio à tomada de decisão, desde o planejamento agrícola até a logística global. No entanto, a crescente instabilidade climática tem colocado em xeque a capacidade dos modelos tradicionais de previsão.

Um estudo publicado na Geophysical Research Letters por pesquisadores da Universidade de Stanford mostra que, com o aumento da temperatura média global, a confiabilidade das previsões diminui significativamente. Em regiões de latitudes médias, por exemplo, a janela de confiança das previsões de 10 a 3 dias se encurta a cada 1°C de aquecimento. Para a precipitação, a perda é ainda mais sensível: cerca de um dia para cada 3°C. Isso significa que, mesmo com um aumento médio global de “apenas” 1,1°C, algumas localidades já enfrentam um cenário de incerteza acentuada.

A Organização Meteorológica Mundial (OMM) estima que os benefícios socioeconômicos da previsão do tempo somam cerca de US$ 160 bilhões por ano. Portanto, qualquer limitação na sua precisão compromete não apenas a ciência, mas toda a economia.

O papel da inteligência artificial

Nesse cenário, a inteligência artificial (IA) surge como uma alternativa robusta para enfrentar a complexidade climática atual. Modelos baseados em IA já demonstram desempenho até 90% superior em relação aos métodos tradicionais, especialmente ao considerar os efeitos do aquecimento global, é o que conclui o estudo acima mencionado.

Além de maior precisão, esses modelos se destacam pela eficiência. Enquanto os sistemas convencionais exigem supercomputadores para rodar simulações em escalas de 100 km, 25 km ou, no máximo, 5 km, os modelos de IA conseguem trabalhar em resoluções de até 30 metros. Isso significa previsões localizadas, para bairros e até ruas, abrindo novas possibilidades de aplicação para setores como seguros, energia, agricultura e infraestrutura urbana.

Casos práticos: aprendizados no Brasil

Na MeteoIA, temos experimentado na prática essa revolução tecnológica. O modelo MIA Weather foi capaz de antecipar, com seis dias de antecedência, a inundação que atingiu o Rio Grande do Sul entre abril e maio de 2024. Além da antecedência, o modelo apresentou precisão notável na espacialização dos volumes máximos de precipitação na bacia do rio Caí.

Enquanto outras ferramentas falharam em captar a gravidade do evento, a aplicação da IA mostrou não apenas previsibilidade, mas capacidade de oferecer alertas localizados, fundamentais para mitigar riscos e orientar medidas preventivas.

Preparar-se para o futuro

A ciência climática vive um ponto de virada. Se os modelos tradicionais já não dão conta da complexidade do cenário atual, a inteligência artificial se apresenta como aliada indispensável para ampliar a resiliência de governos, empresas e comunidades.

Mais do que prever o clima, trata-se de integrar conhecimento, tecnologia e ação. O desafio não está apenas em antecipar o próximo evento extremo, mas em transformar dados em decisões estratégicas que protejam vidas, patrimônios e a própria sustentabilidade econômica.

Dr. Gabriel Perez

Co-fundador da MeteoIA