Evento de chuva extrema no Rio Grande do Sul entre os dias 16 e 17 de fevereiro salienta o potencial da previsão com IA, enquanto evento de 16 de janeiro em Santa Catarina mostra que ainda existem desafios a serem superados.

Um tópico de pesquisa bastante ativo atualmente é a comparação da eficácia de modelos de IA para a previsão de eventos meteorológicos extremos com modelos que utilizam a abordagem física. Apesar de desempenharem melhor em casos típicos, modelos de IA ainda apresentam desafios para representar eventos raros e de maior impacto. No entanto, o rápido avanço da área traz simulações cada vez mais competitivas mesmo dos eventos extremos.

Recentemente, observamos um caso de altos volumes de chuva que foram previstos por modelo de IA e ignorados por modelos físicos. Nos dias 16 e 17 de fevereiro, o Estado do Rio Grande do Sul registrou altos acumulados de chuva devido à passagem de uma frente fria. O MIA, modelo de IA da MeteoIA, previu com antecedência esse evento, enquanto o modelo físico IFS-ECMWF subestimou os valores nas rodadas mais recentes antes da ocorrência do extremo.

Os fortes ventos e tempestades intensas geraram diversos transtornos sociais e prejuízos econômicos. Segundo a Defesa Civil do Rio Grande do Sul, inúmeros municípios relataram prejuízos, incluindo destelhamentos de casas e estabelecimentos comerciais, quedas de árvores e postes. Além disso, houve falta de energia elétrica em várias localidades e suspensão das aulas nas escolas das redes municipais, que deveriam iniciar no dia 17 de fevereiro. Os altos acumulados de precipitação registrados pelas estações meteorológicas do Cemaden evidenciam a dimensão do impacto:

  • A estação Presidente João Goulart em Santa Maria – RS, registrou 74,4 mm entre os dias 16 e 17/02;
  • A estação Bairro K em Campo Bom – RS, registrou 107,5 mm no dia 17/02;
  • A estação Santo Antônio em Lajeado – RS, registrou 72 mm no dia 17/02. 
Fonte: Precipitação acumulada nas estações meteorológicas do Cemaden

O modelo IFS-ECMWF, que estava simulando chuvas fortes alguns dias antes do evento, passou a subestimar os valores de precipitação nas rodadas mais recentes antes da ocorrência do extremo, gerando divergências em relação aos volumes observados e uma perda de performance em relação a abordagem de IA. 

Essa performance reduzida nas rodadas mais recentes pode ter sido causada por diferentes limitações inerentes à formulação do IFS-ECMWF. Por ser um modelo determinístico baseado em equações físico-dinâmicas, há forte dependência da assimilação de dados de entrada. Pequenos ajustes nos campos iniciais podem levar a variações na previsão, especialmente em eventos extremos, onde o campo de umidade, deslocamento da frente fria e parâmetros dinâmicos podem não ser corretamente representados, além das limitações em  captar certos processos de subgrid, como o transporte de umidade em pequena escala e interações complexas entre a atmosfera e a superfície, que envolvem a topografia, vegetação e os corpos d’água, o que pode ter levado a uma menor eficiência na estimativa dos acumulados de precipitação.

Fonte: Previsão do acumulado de precipitação do modelo IFS-ECMWF para o dia 17/02/2025, em (a) rodada de 14/02/2025, (b)  rodada de 16/02/2025 e (c) rodada de 17/02/2025.

O MIA demonstrou maior acurácia na previsão dos acumulados com a passagem do sistema frontal, mesmo nas atualizações mais próximas ao evento. Modelos baseados em redes neurais podem capturar padrões mais complexos e aprender com eventos anteriores, ajustando melhor suas previsões futuras e mantendo previsões mais estáveis ao reconhecer padrões históricos de eventos similares. 

Fonte: Previsão do acumulado de precipitação do modelo MIA para o dia 17/02/2025, em (a) rodada de 14/02/2025, (b)  rodada de 16/02/2025 e (c) rodada de 17/02/2025.

Desafios e perspectivas futuras

Contudo, muitos desafios permanecem na previsão de eventos meteorológicos extremos. As chuvas volumosas em Balneário Camboriú – SC, no dia 16 de janeiro de 2025, configuram um exemplo recente de evento que não foi antecipado por nenhuma abordagem. Processos atmosféricos que não são corretamente interpolados, como transportes de umidade intensos, fluxos verticais localizados ou mesmo interações superfície-atmosfera difíceis de modelar podem gerar incertezas tanto para o modelos tradicionais quanto para modelos baseados em Inteligência Artificial.

As oportunidades para melhoria de modelagem são múltiplas e passam por diferentes frentes, tais como: (1) aumento da rede dados observacionais, (2) entendimento dos processos precursores destes eventos e (3) desenho de arquiteturas de IA cada vez mais adequadas para a simulação destes processos, entre outras.

Avançar na previsão de extremos meteorológicos exige uma abordagem integrada, combinando aprimoramento dos modelos, expansão da rede observacional e desenvolvimento contínuo de técnicas de IA, para que possamos reduzir incertezas e antecipar eventos com maior precisão.